Qualidade de Dados: direito do cidadão e dever do Estado

Fábio Xavier, Diretor de TI no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, destaca em seu artigo a importância do tratamento de dados por parte dos órgãos públicos para garantir proteção ao cidadão e melhor estrutura para políticas públicas

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*Por Fabio Correa Xavier

 

A pandemia acabou acelerando a digitalização de serviços em todos os campos e o setor público não ficou alheio a essa mudança.  Em recente pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação – Cetic.br[1] sobre o uso da internet no Brasil durante a pandemia, comprovou-se que houve aumento na busca de serviços públicos digitais em diversas áreas, como direito do trabalhador, previdência social, saúde pública e emissão de documentos pessoais. Contudo, a pesquisa também demonstrou que há um longo caminho a ser percorrido, diante das dificuldades relatadas pelos cidadãos no uso de serviços públicos digitais, como aconteceu em relação ao aplicativo disponibilizado para o auxílio emergencial.

 

Para que possamos melhorar os serviços públicos digitais, é essencial que os dados que balizem serviços e políticas públicas estejam sempre atualizados, de modo a refletir com fidelidade a realidade social do país. A importância é tamanha que a qualidade dos dados é definida como um dos princípios para o tratamento de dados pessoais[2] no inciso V, art. 6º, da Lei nº 13.709/18, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

 

A LGPD define qualidade de dados “como garantia, aos titulares, de exatidão, clareza, relevância e atualização dos dados, de acordo com a necessidade e para o cumprimento da finalidade de seu tratamento”. E, nesse sentido, um provável novo adiamento do censo do IBGE que estava previsto para 2020 pode impactar ainda mais a qualidade dos dados que são usados para execução de políticas sociais e, também, para a definição de coeficientes para repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é uma importante fonte de receita de grande parte dos municípios brasileiros.

 

No Estado de São Paulo, de acordo com dados do Observatório Fiscal do TCESP, apenas 7 municípios têm receita própria superior a 50% da receita total, o que materializa a grande dependência de receitas advindas de transferências de Estados e da União.

 

De acordo com o artigo “In poor countries, statistics are both undersupplied and underused” do renomado jornal inglês The Economist, a falta de conhecimento atualizado e refinado sobre sua própria realidade é uma característica típica de países em desenvolvimento, ao contrário dos países ricos que privilegiam esse conhecimento[3]. Em outras palavras, a falta de dados confiáveis e atualizados faz com que os governos fiquem sem informações adequadas para conduzir políticas públicas efetivas e acabam gerando desperdício de escassos recursos e, como consequência, desamparo e abandono para a população mais vulnerável. É como se orientar à noite, no meio de uma densa mata, com uma bússola estragada.  E os efeitos dessa desinformação no meio de uma crise de saúde pública acabam sendo amplificados e mais nefastos.

 

Ao longo dos anos, dados pessoais foram coletados de forma excessiva e sem controle, especialmente pelas instituições públicas. Essa coleta não veio acompanhada de uma estrutura mínima e profissional de governança de dados, com a devida atenção a aspectos básicos, como a segurança da informação. Brad Smith, CEO da Microsoft, defende a necessidade de uma política nacional de gestão de dados, como um importante instrumento para que os países consigam lidar com os desafios da nova economia e se preparem, por exemplo, para o uso massivo da inteligência artificial (IA) nas organizações e Estados[4].

 

Tecnologias disruptivas com a IA e Business Intelligence fazem uso massivo de dados como insumo essencial para suas análises e decisões. E uma decisão baseada em dados incorretos ou imprecisos é pior que nenhuma decisão, como foi confirmado pelo projeto Gender Shades do MIT Media Lab. Esse projeto concluiu que os sistemas de análise e reconhecimento facial que utilizam Inteligência Artificial podem apresentar um viés discriminatório uma vez que os conjuntos de dados utilizados para treinar o algoritmo não representa de forma balanceada os gêneros e tipos de pele da população em geral. O resultado é um índice de erro muito menor em indivíduos de pele mais clara e do sexo masculino[5].

 

É latente a necessidade de o Estado ter a sua disposição informações mais confiáveis e precisas. Contudo, se a informação não for tratada pelo Estado como um valioso diferencial estratégico, como um insumo fundamental para que suas políticas públicas sejam eficientes e efetivas, a revolução estrutural que o país precisa ficará cada vez mais distante.

 

*Fábio Xavier é Diretor de TI no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

 

Bibliografia

[1] https://nic.br/media/docs/publicacoes/2/20210426095323/painel_tic_covid19_livro_eletronico.pdf

[2] Art. 6º

V – qualidade dos dados: garantia, aos titulares, de exatidão, clareza, relevância e atualização dos dados, de acordo com a necessidade e para o cumprimento da finalidade de seu tratamento;

[3] https://amp.economist.com/finance-and-economics/2021/04/08/in-poor-countries-statistics-are-both-undersupplied-and-underused

[4] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ronaldolemos/2021/05/brasil-no-livro-do-presidente-da-microsoft.shtml

[5] https://www.media.mit.edu/projects/gender-shades/press-kit/

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