Nas últimas semana, diversos veículos de comunicação nacional acompanharam os novos avanços da operação da Polícia Federal que investiga possíveis usos indevidos da tecnologia de monitoramento FirstMile por oficiais da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Nesse período, diversos especialistas e profissionais ligados ao setor de Segurança e privacidade de dados do país voltaram a discutir os impactos do atual cenário de Ciberespionagem na vida dos cidadãos brasileiros.
Desde o último dia 25, a PF tem cumprido novos mandados de busca e apreensão no âmbito da Operação Vigilância Aproximada, mirando uma possível estrutura paralela criada na Abin para monitorar de forma ilegal agentes públicos e membros da sociedade civil. Essas ações, segundo os policiais, se valiam de técnicas próprias das polícias judiciárias, mas sem qualquer controle vindo da Justiça ou do Ministério Público.
No centro desse incidente está o software FirstMile, uma tecnologia intrusiva na infraestrutura crítica da telefonia do Brasil, fornecida pela companhia israelense Cognyte. Segundo órgãos de pesquisa sobre o tema, o grande risco dessa tecnologia está na alta capacidade de monitoramento de diversos alvos, deixando poucos rastros de atividade que possam ser rastreados.
“A utilização do serviço FirstMile é incompatível com o sistema jurídico brasileiro, especialmente devido à falta de monitoramento adequado. Além disso, a empresa desenvolvedora do software é conhecida por violações sistemáticas de direitos humanos da perspectiva das consequências dos usos de suas tecnologias”, disse a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa em parecer usado pela Polícia Federal no embasamento das ações.
O jornal O GLOBO já havia apurado a utilização do FirstMile para monitorar brasileiros desde fevereiro de 2023. Sem se basear em qualquer protocolo legal, foi possível aos agentes da Abin monitorar as ações de até 10 mil proprietários de celulares a cada 12 meses. Entre dezembro de 2018 e maio de 2021, o programa teria sido acionado mais de 30 mil vezes, mirando políticos, jornalistas, advogados e adversários do então presidente Jair Bolsonaro.
Outro ponto de preocupação envolve o armazenamento dos dados coletados, feito apenas em território israelense. O risco, segundo especialistas consultados pelo GLOBO, coloca as informações sob ameaça de serem acessadas por pessoas de fora da agência de inteligência. Além disso, a Abin ainda lidava com a contrapartida de não poder usar o software contra cidadãos de Israel ou dos Estados Unidos.
“Nesse caso, há três direitos frontalmente violados: o direito à vida privada, à intimidade e à liberdade de locomoção. E não só. A vida do cidadão está em risco quando a geolocalização é feita de maneira indiscriminada” disse ao GLOBO Denilson Feitoza Pacheco, presidente da Associação Internacional para Estudos de Segurança e Inteligência (Inasis).
Agora, os agentes públicos se movimentam para ampliar o escopo das investigações e dar início a uma reforma no sistema de inteligência nacional que proteja os cidadãos brasileiros de ações ilegais do poder de turno. “Na lógica constitucional, se temos direito à privacidade e intimidade, ela só pode ser impactada por uma justificativa bem robusta de interesse público”, complementa o diretor de Direito e GovTech do Instituto de Tecnologia e Sociedade, Christian Perrone.
*Com informações da Agência Brasil, O Globo e Estado de S. Paulo