O Projeto de Lei de autoria do Governo Federal para regulamentar a atividade das Big Techs no país foi finalizado essa semana, e a partir dos tópicos mais importantes divulgados ao público, especialistas em direito digital reforçam que, mesmo com maiores garantias de direitos nas mídias sociais, o PL também deve incitar novos debates acerca de temas pouco concretos.
De acordo com o texto final, ao qual a Folha de S. Paulo teve acesso, as plataformas deverão usar mecanismos e sistemas para detectar e indisponibilizar imediatamente conteúdos ilícitos de terceiros que representem crimes específicos, como terrorismo, golpes e os relacionados às crianças e adolescentes. O projeto ainda visa consolidar a responsabilização objetiva das corporações sobre as ações dos usuários dentro de suas plataformas.
De acordo com o Professor de Direito Digital na FAAP e ESPM, Renato Opice Blum, estabelecer uma responsabilidade objetiva é uma das novidades mais importantes trazidas pelo projeto, pois, dessa forma, será possível estabelecer uma percepção unificada do papel das organizações de tecnologia junto ao governo brasileiro e aos cidadãos do país.
“É importante ressaltar no novo PL o seu alinhamento com a decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar a parcial constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil. Isso possibilita balizar novas iniciativas legais que sigam essa mesma linha e, assim, consiga equilibrar tanto a responsabilidade subjetiva – posicionada pelo STF – com a objetiva trazida por esse PL”, acrescenta Opice Blum à Security Report.
Apesar disso, o especialista alerta para a necessidade de ampliar o debate público a respeito de tópicos delicados da discussão. A Sócia e Fundadora do escritório Peck Advogados, Patrícia Peck, cita como exemplo a ausência de tratativas sobre o combate à desinformação nas plataformas e a necessidade de monitorar a imediata inviabilização de publicações criminosas.
“Há ainda alguns desafios com relação à aplicação das medidas que estão sendo apresentadas, especialmente como equilibrar as decisões para evitar fiscalização extensa de conteúdos postados por terceiros possivelmente se transformando, no dia a dia, em situações que possam trazer censura. Com certeza é um caminho do qual não vamos conseguir fugir”, disse.
Quem regula?
Outro fator que demanda melhores discussões a respeito envolvem o papel de regulador e fiscalizador desses novos padrões legais estabelecidos pelo PL. De acordo com o Sócio do VLK Advogados, Rony Vainzof, a necessidade de controles efetivos e imediatos sobre os conteúdos exige que se estabeleça uma força executiva para garantir a aplicação da lei. Caso contrário, a medida pode se mostrar inofensiva.
“Além disso, precisaremos prezar pela cautela diante do poder que pode ser gerado, envolvendo principalmente medidas extremas, como bloqueios. Mesmo na Europa, as autoridades como Escritório Federal de Justiça da Alemanha, da NetzDG, os Coordenadores de Serviços Digitais, pelo DSA, ou mesmo a Comissão Europeia para VLOPs, não podem adotar medidas extremas como essa sem ordem judicial”, alerta Vainzof.
A apuração da Folha de S. Paulo indica que o projeto deve transferir essa responsabilidade à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), em um formato fortalecido. Todavia, Patrícia alerta que a preocupação, nesse caso, é garantir que a Autarquia consiga ser vitaminada o suficiente para gerir essas novas responsabilidades, visto o desafio já presente de gerenciar a proteção de dados do país.
“Essa ampliação de escopo pode trazer desafios, pois novas dificuldades em executar suas atividades podem afetar a imagem institucional da ANPD. Portanto, o que a nova lei deve se focar é em instrumentalizar adequadamente o órgão fiscalizador, bem como definir corretamente o papel do eventual Conselho Nacional de Proteção de Dados e Serviços Digitais”, concluiu ela.