A Covid-19 colocou o mundo em quarentena. Além do flagelo sanitário e da perda inestimável de vidas humanas, a economia está seriamente ameaçada. Em maior ou menor medida, todas as questões relativas a decisões que envolvem investimentos e projetos que demandam recursos humanos estão sendo reavaliadas. A Lei Geral de Proteção de Dados, embora seja reconhecida como um arcabouço fundamental para regulamentar questão tão premente no País, como a privacidade de dados, pode estar se somando a uma série de outras ações adiadas até que o cenário volte a uma certa normalidade e seja possível enxergar com mais clareza o impacto humano, social e econômico dessa pandemia.
Em entrevista ao portal Security Report, o especialista em direito digital e representante do Senado Federal no Conselho Nacional de Proteção de Dados, Fabrício da Mota Alves, que acompanha de perto, em Brasília, o vai e vem da LGPD, desde que a Lei começou a ser desenhada, faz um panorama da situação atual, principalmente agora que a proposta de prorrogação de entrada em vigor, prevista inicialmente para agosto de 2020, está em aprovação no Senado.
SR: Como você vê o cenário atual das empresas em relação aos projetos de LGPD que estavam em andamento?
Fabrício: Tem setores que estão realmente preocupados com a situação da adequação a LGPD, porque vinham investindo e estão efetivamente temerosos com relação à continuidade desses projetos, principalmente setores que estão mais fortemente afetados pela pandemia, são segmentos que estão no olho do furacão. Já conversei com muita gente, de várias áreas e tem de tudo. Tem setores que vão continuar os projetos, alguns vão ter que parar e outros que estão desacelerando, e por aí vai, tem de tudo um pouco.
SR: A pandemia trouxe uma nova visão em relação ao cumprimento do prazo de entrada em vigor da LGPD. O que mudou efetivamente?
Fabrício: O que eu tenho percebido em termos de análise de cenário político, é que realmente há uma preocupação institucional de paralisar tudo, eu tenho dito que nada é por acaso e nada acontece de forma aleatória. Hoje, temos três projetos no Senado e dois na Câmara. É importante observar que o Senado não tinha nenhuma posição a respeito desse assunto, só a Câmara que tinha dois projetos, um do Carlos Bezerra e um do Mário Heringer tratando dessa temática, o Senado estava em letargia com relação a isso.
SR: Mas agora o Senado “acordou” para o problema e parece disposto a resolver a questão?
Fabrício: Sim, agora surge uma nova proposta com muito mais força no Senado, os setores encontraram no Senado um “locus” de interlocução, um ambiente, um canal de interlocução, e foram três projetos apresentados no intervalo de uma semana. Não são quaisquer projetos, os conteúdos são razoavelmente simples, exceto o do Anastasia que tem uma abrangência maior, mas no que diz respeito a LGPD são todos bem simplificados. O que importa muito além do conteúdo são os atores políticos. Quem faz a leitura do cenário político precisa observar todas as variáveis possíveis, o autor dos projetos e os stakeholders que trabalham nessas propostas, que são relevantes.
SR: Qual a leitura que você faz desse cenário e desses projetos?
Fabrício: Temos dois líderes de bancada, o líder do PSD que é o Senador Otto Alencar da Bahia, e o líder do Podemos que é o senador Alvaro Dias do Paraná, apresentando propostas. Temos agora o primeiro vice-presidente do Senado, o senador Anastasia que hoje está no PSD, de Minas Gerais, que também apresentou uma proposta. Essa proposta do Anastasia tem um peso diferenciado, porque além de ser mais abrangente ela tem a chancela do STJ e do STF. Então ela foi construída em um certo consenso, segundo fontes, com apoio do Ministro Dias Toffoli e com o STJ. Existe uma condução institucional desses assuntos e o fato desses projetos serem apresentados por atores políticos tão relevantes, leva a crer que eles serão aprovados em alguma medida.
SR: E qual seria sua aposta?
Fabrício: Eu apostaria no conteúdo do senador Anastasia que se assemelha ao conteúdo do senador Otto Alencar, porque o Otto queria um adiamento de 18 meses para entrada em vigor da LGPD e o Anastasia esta pedindo 12. Então eles têm a mesma proposta com diferença de prazo. Já a proposta do Álvaro Dias é mais diferenciada, mas que por outro lado ela acaba não sendo do interesse dos setores que querem um tempo maior para trabalhar essas conformidades. Ela trata só das sanções, ela não vai impedir a litigiosidade.
SR: O que isso quer dizer efetivamente?
Fabrício: Quando você suspende as sanções, você evita que a autoridade de dados possa punir, por outro lado você permite que os direitos e deveres previstos na lei possam estar plenamente instituídos com a vigência e isso abriria margem para ações judiciais individuais e coletivas do Ministério Público, Senacon, associações e os próprios titulares também. Mais uma informação importante é o fato dos projetos do Senado estarem com a relato ria da presidente da CCJ, que é a Senadora Simone Tebet, isso também é uma variável de grande relevância nesse cenário, ou seja, ninguém pegaria um projeto para relatar se não fosse para aprovar. Tudo está caminhando no sentido que vá ser aprovada essa prorrogação.
SR: A aprovação da prorrogação pelo Senado tem um peso maior?
Fabrício: Sim, o governo federal fica de uma certa forma confortável porque evita um desgaste de uma medida provisória, todas as apostas estavam no sentido de que teria uma MP, mas com o Senado capitaneando essas iniciativas e a Câmara chancelando, fica claro que é uma vontade do Congresso, ou seja, em tese uma vontade da sociedade. Existe nisso um conforto político para o Presidente, só teria o ônus de sancionar, o que não seria tão difícil porque se o Congresso aprovar nesse cenário de pandemia fica muito claro que o governo não iria rejeitar uma proposta dessa natureza.
SR: O Governo pode até se beneficiar com a prorrogação, mas no setor privado as opiniões estão divididas, não?
Fabrício: Querendo ou não, o governo não tem nada em implementação, nada executado dentro dos seus órgãos. O governo se beneficia com uma eventual prorrogação. É ruim para a sociedade de certa forma, sim, porque estamos adiando a proteção de direitos fundamentais, mas por outro lado é um cenário de pandemia. Então mais uma vez fica ao juízo político do Congresso.