Por Cristina Sleiman*
Com a consolidação da figura do Data Protection Officer (DPO), pela LGPD, o Encarregado, na estrutura de governança das organizações, tornou-se indispensável que esse profissional assuma um papel ativo também nas políticas internas que envolvem gestão de pessoas, saúde ocupacional e compliance regulatório.
No Brasil, um ponto crítico de atenção que surge neste cenário é a interseção entre a NR01 (Norma Regulamentadora nº 01 do MTE) – que trata da gestão de riscos ocupacionais – e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A recente obrigatoriedade da avaliação de riscos psicossociais nas empresas, prevista na atualização da NR01, insere o DPO em um campo de atuação onde proteção de dados sensíveis, segurança da informação e privacidade dos trabalhadores se tornam fatores determinantes para a conformidade legal e ética.
Mas o DPO não caminha sozinho. O papel do CISO (Chief Information Security Officer) é igualmente estratégico. Em projetos que envolvem coleta, armazenamento, análise e compartilhamento de dados especialmente via sistemas digitais, plataformas de RH ou ferramentas externas, o CISO se torna corresponsável pela definição das medidas técnicas, segurança cibernética, classificação da informação e arquitetura de dados envolvida no projeto.
A atuação integrada entre DPO e CISO é essencial para garantir que a privacidade seja tratada desde a concepção até a execução técnica, dentro dos critérios de segurança da informação, interoperabilidade, governança de dados e proteção contra vazamentos. E neste cenário, a infraestrutura é essencial, garantindo a necessidade de participação do CIO.
Privacidade e Saúde Mental: dois pilares que agora se conectam
A implementação da NR01 requer que empresas realizem diagnósticos do ambiente organizacional, mapeando fatores que possam impactar a saúde mental, emocional e relacional dos colaboradores. Essa análise, ainda que realizada com fins preventivos, envolve a coleta e tratamento de dados pessoais sensíveis, nos termos do artigo 5º, II da LGPD.
Mas o que é afinal a NR01 ?
A NR01 – Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais é a norma do Ministério do Trabalho que estabelece as obrigações mínimas em segurança e saúde no trabalho, válidas para todas as organizações, independentemente de porte ou setor.
A NR01 determina a implantação do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que deve considerar riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e agora, sua versão atualizada também exige análise de riscos psicossociais.
O que são riscos psicossociais?
Riscos psicossociais são condições relacionadas à organização do trabalho que podem impactar negativamente a saúde mental, emocional e social do trabalhador. Incluem fatores como:
- Sobrecarga de tarefas
- Ambientes tóxicos ou hostis
- Assédio moral ou sexual
- Falta de apoio gerencial
- Jornadas excessivas ou metas abusivas
- Conflitos interpessoais crônicos
- Sensação de injustiça ou exclusão
Esses riscos têm consequências diretas sobre a produtividade, o absenteísmo, os afastamentos médicos e, em casos extremos, a judicialização das relações de trabalho.
Como funciona um assessment de riscos psicossociais?
Para entender o papel do CIO e do DPO é preciso conhecer o processo de adequação à NR01. Um projeto bem estruturado inclui:
Fase 1 – Planejamento e engajamento
- Alinhamento com a alta gestão
- Definição de objetivos e escopo
- Avaliação prévia da cultura organizacional
Fase 2 – Coleta de dados
- Aplicação de questionários específicos
- Entrevistas individuais e grupos focais
- Observação direta do ambiente de trabalho
Fase 3 – Análise e diagnóstico
- Consolidação e categorização dos riscos identificados
- Classificação por criticidade e impacto
- Anonimização ou pseudonimização dos dados coletados
Fase 4 – Plano de ação
- Recomendação de medidas organizacionais (revisão de processos, treinamentos, reestruturação de equipes, atividades complementares)
Fase 5 – Monitoramento contínuo
- Avaliação periódica dos indicadores
- Atualização do PGR e dos registros internos
- Comunicação transparente com os trabalhadores
Na prática, o DPO, CIO e CISO devem ser parte integrante do comitê de implementação da NR01, garantindo que as ações voltadas à gestão de riscos não comprometam a privacidade dos colaboradores. Ao CISO acrescenta-se a responsabilidade de garantir recursos adequados para proteção de informações confidenciais, ainda que não sejam dados pessoais, enquanto ao CIO cabe o apoio à infraestrutura e gestão da tecnologia.
Alguns cuidados indispensáveis que o DPO precisa observar e orientar:
- Fundamentação legal do tratamento
Atribuir a base legal correta é essencial e não esqueça que os princípios devem ser respeitados. - Minimização e anonimização
Formulários e entrevistas devem ser objetivos, a coleta seja estritamente necessária, proporcional e transparente. Sempre que possível, aplicar técnicas de anonimização ou pseudonimização para reduzir os riscos em caso de vazamento. - Privacy by Design e Security by Design
Projeto de avaliação psicossocial, por envolver dados sensíveis, deve ser precedido por análise de risco de privacidade e análise de segurança da informação. O DPO avalia impacto e conformidade; o CIO define os controles técnicos, lógicas de acesso, logs e proteção de infraestrutura. - Segurança da Informação
Garantir critérios técnicos de classificação da informação (ex: confidencial, restrita) para os documentos internos de diagnóstico e plano de ação. - Governança com terceiros
Se há envolvimento de consultorias, psicólogos, profissionais de Segurança ou sistemas externos, é essencial que os contratos contenham cláusulas específicas de proteção de dados, responsabilidade e auditoria. - Capacitação de equipes envolvidas
Os profissionais responsáveis pela coleta de dados (RH, saúde ocupacional, consultores externos) devem ser orientados sobre boas práticas de privacidade e segurança da informação.
Integrar LGPD e NR01 é mais do que conformidade — é estratégia de ESG
Com a prorrogação das sanções da NR01 para 2026, as empresas têm uma oportunidade única de estruturar esse processo de forma responsável, preventiva e integrada com os valores de compliance, ESG e bem-estar corporativo.
A gestão de riscos psicossociais não é um tema isolado da proteção de dados, ela está no coração do que a LGPD busca proteger: a liberdade, a intimidade e os direitos fundamentais da pessoa natural.
Um projeto bem conduzido pode transformar a cultura organizacional, fortalecer a reputação da empresa e prevenir tanto sanções legais quanto crises internas.
*Cristina Sleiman é advogada Especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, DPO certificada, Pedagoga, palestrante e Professora em cursos de pós-graduação, certificações Exin e formação executiva.